Criada por um padre austríaco em parceria com o organista Franz Gruber, a música foi traduzida para mais de 300 idiomas, ganhou o mundo e até uma 'versão nazista' durante o regime de Hitler na Alemanha.
A música foi tocada para o público pela primeira vez em uma igreja em Salzburgo, na Áustria — Foto: Stille Nacht - SalzburgerLand Tourismus GmbH
Em 24 de dezembro de 1818, o padre austríaco Joseph Mohr pediu ao amigo
organista Franz Xaver Gruber que compusesse a melodia para um poema
escrito por ele dois anos antes. Nascia assim Stille Nacht, heilige
Nacht, uma das mais famosas canções natalinas, traduzida para mais de
300 idiomas e conhecida em português como Noite Feliz.
Naquela noite, Mohr e Gruber executaram a música pela primeira vez
durante o serviço da igreja de São Nicolau em Oberndorf bei Salzburg, na
Áustria. Hoje, a canção é quase onipresente no Natal, figurando desde
2011 na lista do Patrimônio Cultural Imaterial da Humanidade da
Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura
(Unesco).
O poema foi criado em um período difícil para Salzburgo. O então
principado eclesiástico independente sofreu diversas ocupações durante
as Guerras Napoleônicas. Os conflitos trouxeram caos e fome - em
especial no Ano Sem Verão de 1816, quando temperaturas extremamente
baixas destruíram plantações na Europa e América do Norte.
Naquele mesmo ano, Salzburgo perdeu sua independência e foi incorporada
à Áustria. "As palavras deste cântico foram escritas nestas
circunstâncias. Elas expressam uma ânsia por redenção e paz", explica à
BBC News Brasil Peter Husty, curador da exposição Silent Night 200 - The
Story. The Message. The Present ("Noite Feliz 200 - A História. A
Mensagem. O Presente", em tradução livre), no Museu de Salzburgo.
O organista Franz Xaver Gruber compôs a melodia da música — Foto: Stille Nacht - SalzburgerLand Tourismus GmbH
O contexto local não impediu que a canção se tornasse um sucesso em
todo mundo. Primeiro a música se espalhou em um manuscrito na região dos
autores. Depois, o construtor de órgão Carl Mauracher a levou para
Zillertal, um vale em Tirol, onde era cantada por corais. Dali, se
alastrou pela Alemanha, Europa e Estados Unidos.
"O Cristianismo levou essa música para o mundo com missionários
(protestantes e católicos). Ela virou acessível em muitas línguas e
dialetos, tonando-se global", afirma Thomas Hochradner, chefe do
Departamento de Musicologia da Universidade Mozarteum, na Áustria, e
idealizador da exposição Silent Night 200.
A exibição traz informações detalhadas sobre a canção - como o fato de
que ela é cantada por 2 bilhões de pessoas no mundo -, além de objetos
que ilustram o estilo de vida no tempo da composição, autógrafos de Mohr
e Gruber, e o piano usado para tocar a música.
Uma infinidade de traduções e adaptações
A propagação de Stille Nacht em diversos idiomas resultou em traduções
nada fiéis ao texto original. Muitas delas são, na verdade, adaptações. A
versão em português, por exemplo, foi intitulada Noite Feliz, embora o
título real seja algo como "Noite Silenciosa".
O museu de Salzburgo exibe as cifras e letras originais da música — Foto: Stille Nacht - SalzburgerLand Tourismus GmbH
A primeira estrofe também abriga a frase "pobrezinho nasceu em Belém",
inexistente no poema austríaco. "As chamadas traduções são novas poesias
que tentam manter a mensagem do texto, mas precisam levar em conta o
ritmo e as rimas (da língua)", diz Hochradner.
Segundo Husty, geralmente as traduções buscam manter o sentido central
da canção: o Natal como festa da redenção e sinal de paz. Mas nem sempre
é o caso, como prova a Weihnachtsringsendung, a versão nazista do
cântico.
O regime de Hitler tinha um problema óbvio com Natal: Jesus era judeu. E
o antissemitismo estava no centro da existência da ditadura nazista.
Por isso, sua equipe tentou remover todo o contexto religioso da
celebração. Isso incluía reescrever canções natalinas sem referências a
Deus, Cristo ou fé.
Na Alemanha nazista, o primeiro verso de Stille Nacht transformou-se em
um louvor a Hitler. A letra dizia: "Tudo é calmo, tudo é esplendido /
Apenas o Chanceler fica em guarda / O futuro da Alemanha para vigiar e
proteger / Guiando nossa nação certamente."
Documento com cifras e letras originais da música é exibido no museu de
Salzburgo — Foto: Stille Nacht - SalzburgerLand Tourismus GmbH
A música também não escapou do uso comercial em inúmeros filmes (a
Forbes afirma que ela apareceu em 295 até 2015) e interpretações por
cantores famosos, incluindo Sinead O'Connor, Elvis Presley, Etta James e
Kelly Clarkson.
Os compositores
Mohr nasceu em 1792 em Salzburgo, onde estudou e foi ordenado padre. Em
1815, o religioso tornou-se curador na pequena municipalidade de
Mariapfarr. No ano seguinte, escreveu o poema que o tornou conhecido.
Em 1817, Mohr foi transferido para Oberndorf bei Salzburg. Na cidade, o
padre conheceu Gruber, nascido em Hochburg em 1787 e que tocava órgão
na igreja local. Eles cultivaram uma amizade por toda a vida.
O padre austríaco Joseph Mohr escreveu a letra da música — Foto: Stille Nacht - SalzburgerLand Tourismus GmbH
Os dois são tão famosos na Áustria que os locais onde nasceram,
trabalharam e morreram possuem memoriais e museus em sua homenagem.
Para celebrar os 200 anos do hit natalino, Hochburg, Mariapfarr,
Arnsdorf, Hallein, Oberndorf, Hintersee, Wagrain, Fügen e Salzburgo
fizeram uma parceria para uma exposição nacional. "Os austríacos gostam e
cantam a canção, principalmente em sua versão original, que difere um
pouco daquela mais comum no mundo. É mais uma tradição do que orgulho",
afirma Hochradner.
Para Husty, Stille Nacht transcende a religião. "Ela conta a história
do nascimento de Jesus. Então é um cântico religioso ao mesmo tempo em
que é para a paz no mundo."
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