Em geral, quando falamos de dados sobre segurança pública e violência
no Brasil, acostumamo-nos com números assustadores e crescentes da nossa
guerra particular contra nós mesmos. O país, nos últimos anos, foi se
dando conta de que estava deitado não em berço esplêndido, mas em um
leito de sangue de milhares de jovens dizimados pela violência letal.
Apenas em 2017 foram mais de 63 mil mortes violentas intencionais.
Não poucos analistas e/ou profissionais da área nos alertam para a
ineficiência fática das políticas criminais e penitenciárias hoje
vigentes. Na segurança, trabalha-se muito, porém cada instituição que
compõe o chamado sistema de justiça criminal e segurança pública atua em
uma direção e segundo suas diretrizes particulares e prioridades. Quase
não há coordenação ou integração e, diante disso, quem acaba dando o
rumo da área são as emergências e os flagrantes cotidianos. Vivemos sob a
égide do pânico.
Os dados divulgados pelo Monitor da Violência com o monitoramento da
violência letal nos nove primeiros meses de 2018 em todo o país nos dão,
no entanto, um sopro de esperança: a comparação com o mesmo período de
2017 indica redução de cerca de 12% nos crimes de homicídio doloso,
latrocínio e lesão corporal seguida de morte. É importante ressaltar que
os dados tendem a ser retificados pelos Estados no ano que vem –
tentativas de homicídios que se tornam homicídios, mortes suspeitas em
que se confirma a intencionalidade, são alguns dos exemplos que tendem a
alterar esta estatística. Os ajustes, no entanto, não devem alterar a
análise, e o ano de 2018 será o primeiro em muitos em que o país vive
uma redução tão significativa da violência letal.
Nunca é demais lembrar que o Brasil vem apresentando índices crescentes
da violência letal há pelo menos duas décadas, o que se acentuou nos
últimos anos com o incremento brutal dos homicídios no Nordeste.
Verificar que todos os Estados da região obtiveram êxito na redução dos
seus índices de letalidade é um avanço que merece ser louvado e que
exige das autoridades esforços para garantir sua sustentabilidade.
Para tanto, se faz necessário a maior participação da União nestes
esforços, tanto por meio da indução de políticas em Estados e
municípios, tanto para garantir a coordenação e integração de
informações. Afinal, o crime não tem fronteiras.
Já faz algum tempo que temos sido enfáticos de que a falta de
coordenação federativa e entre poderes e órgãos de Estado na prevenção
da violência e no combate ao crime organizado é uma das principais
deficiências na melhoria da segurança pública no Brasil. E, para mitigar
esta falta de coordenação, também temos incentivado a criação de
espaços de coordenação e de integração de esforços.
Sistema Único de Segurança Pública
E, por isso, ficamos positivamente surpresos quando, neste ano, o
Brasil conseguiu superar algumas de suas históricas dificuldades na
segurança pública e avançou na aprovação e regulamentação do SUSP
(Sistema Único de Segurança Pública). O SUSP, que ficou em tramitação
por quase duas décadas, parte exatamente da tentativa de coordenar
esforços e aumentar a capacidade do Poder Público de fazer frente ao
crime, à violência e à necessidade de reduzir o medo e garantir
direitos.
Trata-se de uma ideia que já é praticada em várias outras áreas da
administração pública, como saúde, educação e assistência social, mas
que, na segurança pública, enfrentava, por incrível que pareça, enormes
resistências.
A segurança ficava perdida em disputas corporativistas e em torno de
competências legais e mandatos policiais. O SUSP ganhou forma e corpo
neste segundo semestre e, se não é o responsável pela ótima notícia que o
Monitor da Violência nos traz neste final de ano, é um instrumento
fundamental para garantir sua manutenção.
Se o SUSP ainda não rendeu frutos objetivos, é possível afirmar que o
clima de cooperação que o fez ser aprovado e que tomou conta das
organizações da área nos últimos meses talvez seja a evidência maior de
que o país parece ter se dado conta para a importância da coordenação
federativa e republicana na segurança pública.
Governo federal e Poder Judiciário passaram, enfim, a conversar sobre a
integração e compatibilização de seus cadastros e sistemas de dados;
várias unidades da federação desenharam ou remodelaram programas
especiais de redução dos homicídios. E, em casos como Alagoas, Rio
Grande do Norte, Ceará e Acre, que estavam vivendo uma disputa aberta
entre organizações criminosas nascidas nas prisões por novas rotas e
pontos de tráfico de drogas e armas, foram criadas forças-tarefa
dedicadas a identificar e diminuir ataques.
Nada disso é permanente e tudo pode ruir. Os dados contabilizados não
incluem ainda as mortes provocadas pelas polícias, o que tende a
apresentar crescimento, tal como no Rio de Janeiro, que no âmbito da
intervenção federal atingiu o maior valor da série histórica.
O governo Bolsonaro herda da gestão Temer um novo modelo de governança
que busca dar caráter sistêmico para a atuação da União na segurança
pública, assim como um Plano Nacional de Segurança Pública que em grande
medida contraria as propostas de campanha do novo presidente. A partir
de objetivos definidos em conjunto pelas polícias militares e civis,
secretarias de Segurança Pública, Ministério Público, Judiciário e
sociedade civil organizada, o documento prioriza o controle de armas
como estratégia para redução da violência letal e impõem metas para
redução de todo o tipo de morte violenta intencional, incluindo as
perpetradas pelas polícias.
Diante do banho de sangue que o país tem vivido nos últimos anos, vale
observar se o futuro ministro Sergio Moro vai se render às propostas
ideológicas, ou se vai investir na manutenção do que foi amplamente
pactuado ao longo de 2018 e vem mostrando resultados.
Samira Bueno e Renato Sérgio de Lima são diretores do Fórum Brasileiro de Segurança Pública
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